domingo, 19 de novembro de 2017

S.O.S. Alagoinhas da Bahia

Samuel é morador da cidade de Alagoinhas, na Bahia, e tem contado aos amigos mais próximos sobre seu trabalho com os surdos da sua cidade. A meu pedido, ele escreveu o texto a seguir, sobre as dificuldades de quem está nessa situação passa em busca de audição, ou melhor, em busca de som. Que este texto sirva de alerta para que algo possa ser feito para melhorar a situação precária e falta de assistência aos deficientes auditivos dessa e de outras cidades do Brasil.


Olha eu aqui fazendo novamente uma alusão referente a audição e desta vez falarei sobre desertos, sobre a busca de um oásis que se esconde em um deserto. Hoje faço uma comparação da minha busca insistente pela audição, como um “caminhar no deserto”. Quem caminha no deserto sempre tem a esperança de encontrar um oásis, porque dizem que todo deserto esconde um. Será? Talvez sim, talvez não. Quem sabe? Minha busca por esse oásis vem de longas datas e não posso deixar de buscar, não mais apenas por mim, não apenas para alimentar meu egoísmo, mas a busca precisava ser horizontal e não apenas na cegueira do “eu vertical”. Somente quem viveu as delícias da audição não vai parar de buscar esse oásis, ainda que essa busca dure toda vida, ainda que ele não seja para meu desfrute, ainda que o cansaço queira me parar, eu continuarei buscando o “oásis da audição” para mim ou para alguém, porque ver a alegria do saindo do silêncio, que parecia não acabar nunca, me faz esperançar de que o melhor está por vir, que por diversas vezes iremos de fato perder a luta porque não somos de ferro, temos nossos medos e receios, mas a guerra ainda não está perdida porque “há esperança para a árvore que, ainda que seja cortada, ainda que no chão seu tronco, de velho, venha a morrer, ao cheiro das águas brotará e dará frutos como uma planta nova”. 

E foi assim que percebi o quanto “poderia ouvir”, descobrindo esse oásis para alguém, para quem realmente quer desfrutar dessa delícia do ouvir ou voltar a ouvir, mas não sabe nem por onde começar, porque não existe informação, não existem indicadores, não existem incentivadores, facilitadores.

Também fui vítima dessa desinformação, dessa falta de comunicação sobre direitos e gratuidades que existem para facilitar a vida de quem tem suas deficiências e limitações, porque não há quem informe, não há quem se interesse em lhe encaminhar, não existe quem lhe dê o peixe, muito menos quem o ensine a pescar. E foi por causa de tudo isso que vivi do tempo da minha perda até hoje, que resolvi ser um canal de informações para os surdos e deficientes auditivos da minha cidade, ser um facilitador dessa busca, desse comunicar, desse conscientizar de que existem instituições que deliberam por parte do governo aparelhos auditivos, implante coclear e até mesmo gratuidades de exames auditivos que, diga-se de passagem, aqui na cidade não fazem nenhum pelo SUS e as clínicas que realizam tais exames são extremamente caras e por essas e outras coisas, que muitos deficientes auditivos daqui não sabem nem o grau de sua perda ou nunca realizaram um exame. Só sabem que não ouvem e pronto.

Deficiente auditivo desde 2011, sem sucesso nas minhas buscas pelo “oásis da audição”, resolvi fazer essa busca para quem queira e possa se beneficiar desse paraíso que é poder ouvir.

A minha cidade, Alagoinhas na Bahia, tem um número significativo de surdos e deficientes auditivos. A princípio eu pensei em um projeto que pudesse beneficiar a todos, mas alguns projetos, “nos quais não existe um interesse por órgãos governamentais”, não duram muito tempo e por vezes são até barrados pelas dificuldades que apresentam, na tentativa de interromper o incentivo alheio. E como já conheço o serviço e lentidão por partes de algumas gestões, resolvi “ser um projeto em ação”.

Parti para o campo de pesquisa. Quando me deparava com alguns a pergunta era sempre a mesma: Por que você não está usando aparelho? Faço essa pergunta “sinalizada do meu jeito”, pois ainda não fiz um curso de libras (envergonhado). A resposta que recebia era sempre a mesma e sinalizada que qualquer um poderia entender - é muito caro e eu não tenho dinheiro.
Confesso que em algumas dessas buscas rápidas, fiquei bastante confuso e pensativo...
Até que ponto a família se importa com a deficiência de seu ente querido?
Será que esses deficientes nunca foram em um otorrino que não teve a sensibilidade de informar a respeito?
Até onde vai a compaixão por parte da família, médicos, amigos e o serviço municipal?

Também não dei muita ênfase às minhas interrogações, porque seria um meio de me frustrar e em vez de entrar em ação, ficaria com as mãos atadas querendo entender algumas coisas... Não deixei que esses pensamentos fossem capazes de frustrar algo que acabara de nascer em meu coração. Também não deixei de usar meu bom humor para me responder e começar os trabalhos.
- Samuel, um cego não guia outro cego.
- Mas nesse caso é surdo. Vai que cola (risos).

Relatos de meu primeiro acompanhamento: 

Em março desse ano, uma amiga me procurou para informar que sua mãe estava perdendo a audição e precisava de minha ajuda para ver como resolver. Dona Maria de Lourdes da Cruz Araújo, de 69 anos, também é minha amiga, mas já havia um tempo não nos víamos.

Logo pedi para agilizar uma audiometria e assim constatarmos o grau da perda. Marcamos uma triagem em uma instituição de reabilitação em Salvador, uma vez que aqui na cidade não dispomos desse serviço, infelizmente. Informar que as instituições que realizam esse serviço de reabilitação ficam em Salvador não é um empecilho. O mais difícil é a disponibilidade e vontade de acompanhar o deficiente por parte da família, o que eu particularmente considero grave. Nunca há quem possa acompanhá-lo. Ou logo procuram uma programação para "se livrar" da responsabilidade ou arranjam uma desculpa qualquer. O que eu "ouvi/ouço" é sempre a mesma coisa: Quem vai acompanhar? Alguns amigos sempre me falam para não dar o peixe, mas ensinar a pescar. Porém, eu fico extremamente sensibilizado pelo deficiente que está naquela angústia da perda e não vê incentivo por parte nenhuma. Por esse motivo, eu sempre me prontifico a ser o acompanhante. 

Então eu fui até Salvador em uma dessas instituições, agendei a triagem e retornei feliz da vida. Uma alegria permeava meu ser, imaginando como dona Maria de Lourdes ficaria feliz com a marcação que já seria no mês seguinte... Quando levei os agendamentos até ela, foi de uma alegria inigualável, talvez impressão minha, mas a felicidade dela era tanta que ver os agendamentos, parecia "já estar usando os aparelhos". Todo o processo durou apenas 4 meses e eu feliz da vida pela rapidez. No dia do recebimento do aparelho, eu estava lá! Na hora de ligar o aparelho, eu estava lá! Naquele dia pude notar que dona Maria estava tão ansiosa que não queria comer, nem beber e nem ao banheiro ela foi. Quando saímos, ela estava tão empolgada e feliz que disse: - Estou ouvindo tudo, até minha "chapa" (prótese dentária) batendo. Fiquei extremamente feliz e já faço novos acompanhamentos, porque minha alegria está em buscar e desfrutar desse oásis com eles.

Continuei minha pesquisa e encontrei de tudo um pouco. Os que dizem que não têm dinheiro; os que não querem, dizem que é muito barulho; os que acham que o uso de próteses pode acabar com seu benefício de prestação continuada, e os que não querem nem saber. Diante das respostas diferenciadas e “assustadoras” percebi que tudo não passa de falta de informação e o esclarecimento sobre alguns mitos irá fazer muitos deles mudarem de ideia ou “continuarem com a ignorância”. Não quero nem saber! Uma caminhada de 300km começa com o primeiro passo e acredito que à medida que alguns começarem a ver os outros desfrutando das delícias desse oásis, logo o interesse começará a surgir, mesmo que seja mascarado pelo orgulho.

Alagoinhas, BA




2 comentários:

  1. Parabéns "Samuca" nome da intimidade, pois fazemos parte da mesma família cristã, continue firme nesse propósito de ajudar as pessoas, sou seu fã.

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    1. Que esse dom de Samuel nunca acabe, e que ele continue com esse amor ao próximo.
      Obrigada pelo seu comentário!

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